Depois de grande tempo de inatividade, volto a fazer uma postagem. Participei de uma reportagem para o jornal Correio Braziliense. Disponibilizo a íntegra da entrevista e o link para a reportagem original do jornal.
CB_1: Existe uma explicação prática do ponto de vista psicológico para o que no esporte conhecemos como amarelar? Existe um conceito para isso?
O conceito de amarelar está relacionado à dificuldade do atleta manter seu nível de rendimento em uma situação onde há uma grande pressão, uma grande expectativa ou responsabilidade em obter determinado resultado.
CB_2: Como você antecipou, é uma questão muito particular, que varia de atleta para atleta. Mas existe algum método para trabalhar esse aspecto da confiança nas horas decisivas?
A melhor maneira de preparar o atleta para os momentos decisivos é incrementar o nível de confiança do atleta e o controle da ansiedade. Para isso é importante aproximar as características do treinamento àquelas que serão enfrentadas na competição. Quando se treina em ambientes distante das circunstância da competição não se capacita o atleta para enfrentar os momentos decisivos.
CB_3: Como uma amarelada afeta no futuro do atleta? No caso do LeBron James, por exemplo. O que ele precisa fazer para superar as más atuações para que isso não influencie em novos momentos decisivos?
Afeta na medida em que o atleta pode associar outros momentos futuros com a situação negativa que viveu anteriormente. Corre-se o risco de entrar em círculo vicioso, momentos decisivos a lembrança que vem à cabeça do atleta é o que aconteceu com ele anteriormente, isso gera um aumento de ansiedade, queda na autoconfiança e consequentemente diminuição no rendimento, em outras palavras, a comumente chamada de “amarelar”. No caso do Lebron é preciso fazer uma avaliação criteriosa de seu rendimento no playoff, entender quais foram seus momentos positivos e negativos e, principalmente, em quais circunstâncias eles ocorreram. Não é porque houve a derrota e um baixo rendimento em um jogo em casa, que se deve desconsiderar todo o desempenho que ele teve na série. Em alguns jogos ele foi decisivo para o Heat. Um exemplo, seria identificar com maior riqueza de detalhes os momentos específicos que seu rendimento foi abaixo do esperado, conhecendo a situação que isso ocorreu é possível identificar as causas do problema e prepará-lo para render mais em um momento semelhante. Uma estratégia utilizada é avaliar racionalmente o rendimento, tirar as lições do ocorrido e de agora em diante focar no treinamento para evoluir e enaltecer os pontos positivos do atleta.
CB_4: Você citou o exemplo do Oscar como um atleta que não sentia pressão. Podemos dizer que é uma coisa rara no mundo do esporte? E por que caras como ele conseguem ignorar essa pressão? É uma questão apenas de confiança?
A pressão é uma situação objetiva (ter que ganhar, ter que resolver, etc) que está posta para todos os atletas de destaque. O que muda é como cada atleta PERCEBE a situação, para alguns, isso representa uma ameaça, que gera pensamentos negativos (será que vou conseguir? E se eu perder o que a imprensa vai falar? Se eu não jogar bem vou perder meus contratos de patrocínio, etc), também chamado de ansiedade cognitiva. Esse quadro de alta ansiedade, para o atleta que não consegue manejá-la, afeta o desempenho esportivo. No lado oposto, temos atletas que percebem a mesma situação como uma oportunidade (essa é minha chance de mostrar do que sou capaz, isso era tudo que eu sempre quis, vou arrebentar, etc). A diferença de percepção está diretamente associada com o nível de confiança que o atleta possui e como ele lida com as adversidades (momentos difíceis, quando comete erros, equipe atrás do placar) do jogo. Ou seja, não importa o tamanho do desafio e dos obstáculos, o que importa é a percepção do atleta sobre sua capacidade de transpor essas dificuldades. Os que ignoram a pressão conseguem controlar a ansiedade, manter uma perspectiva positiva (sempre ver a situação como uma oportunidade, mesmo nas mais complicadas situações) e manter a concentração nos fatores internos no jogo (execução técnica, elementos táticos).
CB_5: Essa pressão em momentos decisivos, na sua opinião, é maior ou menor em esportes coletivos? O fato de todo um time depender de um lance de determinado atleta pesa? É mais fácil lidar com os erros em um esporte como o tênis, por exemplo?
É difícil associar a pressão ao tipo de esporte coletivo ou individual, pois vai envolver diversos fatores específicos de cada situação. Se você tem um nível de relacionamento na equipe onde há um suporte social entre os próprios atletas, entre comissão técnica e atletas, a pressão tende a ser menor, pois o atleta se sente mais amparado pelos componentes da equipe e sabe que não está só, que tem o respaldo da comissão para arriscar, que não sofrerá represálias ou culpa em situações de erro. Se não há esse clima, a responsabilidade é inteiramente depositada em um atleta apenas, a pressão tende a ser maior. Veja o caso do Heat, havia além do LeBron, o Bosh e o Wade, mesmo assim o LeBron pode ter entrado em quadra achando que a responsabilidade era principalmente dele, por sua experiência, etc. Isso geraria uma pressão a mais, que o próprio atleta se colocou. Se um time investe tudo em um atleta, sem dúvida a pressão aumenta, pois esse atleta carrega sozinho a responsabilidade, que deveria ser partilhada, mesmo que de forma desigual. Lidar com erros em esportes individuais é teoricamente mais fácil, pois temos apenas uma pessoa dando significados para seus erros. Em uma equipe o erro de um pode gerar um grande prejuízo para os demais, no caso do tênis o prejuízo é para o próprio atleta. Ele precisa desenvolver a capacidade de lidar de forma adequada com seus erros, sem depender de outros e sem estar sujeito a cobranças dos companheiros. Por outro lado, o atleta ide esporte ndividual não tem com quem dividir a responsabilidade, ele tem apenas a si próprio para resolver seus problemas.
Tentando resumir, sem saber se é possível, o importante não é se o atleta compete sozinho ou em grupo, existem outros fatores mais relevantes, como a capacidade de manejo da ansiedade, auto-confiança e suporte social.
CB_6: Como é o trabalho de um psicólogo do esporte antes, durante e depois de uma competição? Como vocês lidam com uma amarelada?
Essa pergunta é difícil de ser sintetizada, tendo em vista que o psicólogo do esporte atua de muitas maneiras em função da situação, do problema, do objetivo, etc. Mas vou tentar....
Antes de uma competição busca-se fazer uma avaliação do atleta, da equipe para identificar quais aspectos necessitam ser abordados (isso varia muito entre equipes, atletas, esportes). O próximo passo é elaborar um planejamento de intervenção e colocá-lo em prática. Durante a competição o ideal é que os problemas identificados já estejam em processo de resolução. O foco principal volta-se para os aspectos específicos da competição, tais como, manter a concentração, controlar a ansiedade, quais os possíveis problemas poderá enfrentar; busca-se retomar o que foi construído durante a intervenção para que o atleta efetivamente coloque em prática no momento para o qual se preparou: a competição. Após a competição o psicólogo do esporte auxilia o atleta a realizar uma avaliação adequada de seu rendimento, buscando esclarecer as circunstâncias que ocasionaram alto e baixo rendimento, para, a partir daí, propiciar ao atleta maior controle sobre seu desempenho, ou seja, prepará-lo para render mais quando a situação que o prejudicou surja novamente.
A melhor maneira de lidar com a amarelada é fazendo uma avaliação adequada do rendimento do atleta, encarando o erro como um indicativo importante do que precisa ser melhorado e não como algo apenas negativo. Usar a adversidade para que o atleta aumente seu empenho nos treinamentos, enaltecer os momentos de bom desempenho que o atleta já vivenciou e intensificar o treinamento de habilidades psicológicas para lidar com a pressão e a ansiedade.
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