segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Reportagem concedida ao portal Terra

Preparação psicológica: um dos segredos para o sucesso da seleção brasileira em 2014

Sexta-feira, 2 de julho de 2010. Brasília e o resto do país estavam em peso assistindo à eliminação da seleção brasileira no Mundial da África do Sul, novamente nas quartas de final, como em 2006. Após ganhar a Copa América e a Copa das Confederações nos anos anteriores, o Brasil era um dos favoritos ao título mundial, mas, no entanto, definhou frente à Holanda. Ficou nítido que o descontrole emocional da equipe foi o fator decisivo para a derrota.

Para o psicólogo Luciano Lopes, especialista e mestre em Psicologia do Esporte pela Universidade de Brasília (UnB), é preciso realizar um trabalho emocional contínuo e de longo prazo com os jogadores que defenderão o Brasil em 2014. Em entrevista ao blog De Olho em 2014, Luciano fala sobre a atuação do psicólogo do esporte e sobre o trabalho que pode ser desenvolvido com a seleção brasileira para o mundial.

O Mundial de Futebol é um dos eventos esportivos mais importantes do mundo. A tradição brasileira no esporte e, sobretudo, na competição, somada às expectativas de milhões de torcedores fanáticos, tornam enorme o chamado “peso da camisa”. Como preparar o atleta para enfrentar um momento como esse, de tão grande responsabilidade?

A preparação psicológica não pode ser pontual, precisa estar inserida em todo o planejamento da comissão técnica. Não se deve olhar para a preparação psicológica como algo a ser utilizado em momentos de dificuldades ou no momento da competição. A preparação emocional é semelhante, por exemplo, à preparação física: precisa de um trabalho a médio e longo prazo, o atleta tem que se envolver, ter disciplina e participar ativamente desse processo. Em suma, a melhor preparação é a que será implementada desde agora, identificando as características dos jogadores, com intuito de atuar, inclusive, junto a seus clubes para obter avanços na área emocional.

O que pode afetar psicologicamente a cabeça de um jogador? Por estar jogando em sua pátria, o jogador pode ficar emocionalmente abalado?

Depende de como o jogador encara o fato de jogar em casa. Alguns podem avaliar isso como algo ameaçador – “E se eu não conseguir? E se perdermos?” – Em contrapartida, para outros, a mesma situação pode representar um grande estímulo – “Vou corresponder a todo o apoio da torcida. Essa é a chance de mostrar meu potencial para o Brasil e o mundo”. A mensagem principal é: por mais que a situação objetiva seja a mesma para todos, a percepção de cada atleta é subjetiva, ou seja, precisamos conhecer cada um para avaliar como irá encarar a responsabilidade de jogar um Mundial em casa.

O Brasil, por ter uma longa tradição no futebol, entra em qualquer competição como favorito ao título. Na África do Sul não foi diferente, mas o Brasil passou longe de corresponder às expectativas. Contra a Holanda ficou visível o descontrole psicológico do time. Como evitar que se repita em 2014 tudo o que aconteceu na África do Sul?

Sem dúvida, essa não é uma situação que poderia ser resolvida durante a Copa. A maneira que o Dunga conduziu o grupo foi a grande responsável por esse descontrole. Quando ele optou por isolar o grupo da imprensa, família e torcedores, ele aumentou a responsabilidade pela obtenção do resultado. Quando se cria um clima constante de embate (mais especificamente com a imprensa), a mensagem que chega aos jogadores é: estão todos contra nós, temos que nos superar e mostrar nosso valor. Em momentos de adversidade, o atleta imagina as consequências do fracasso e passa a se comportar como se o fracasso já tivesse acontecido. Daí o descontrole emocional, inclusive em atletas que não apresentam esse perfil em seus clubes. O Dunga cometeu um erro básico: acho que o combustível que funcionou bem com ele como jogador também alimentaria adequadamente seu grupo de jogadores. Mais uma vez, não há fórmulas pra conduzir um grupo, precisamos estar em consonância com as características de cada atleta.

A dita renovação da Seleção Brasileira pelo técnico Mano Menezes (com média de idade dos jogadores entre 23,1 anos) exigirá uma preparação especial para os jogadores mais novos? Como eles devem ser orientados?

Via de regra, jogadores mais novos precisam de ambiente mais estável para render todo seu potencial. Quando falo em ambiente estável, quero dizer dar suporte emocional aos atletas, criar condições para jogarem à vontade (como fazem em seus clubes), minimizar as pressões que a seleção sofre costumeiramente. Alguns jogadores, entretanto, por suas características pessoais, não se encaixam nesse perfil. O Neymar é um exemplo. No caso dele, talvez o treinador precise estar atento à sua perda de foco, de concentração, em vez de abordar o controle da ansiedade. Não é possível prescrever uma intervenção que dê conta de todos os atletas, mesmo daqueles que possuem semelhanças (idade, origem, história etc.).

Em sua opinião, qual o papel do Mano Menezes e da comissão técnica da seleção nesta preparação psicológica para o Mundial?

O papel do Mano é de criar as condições para o atleta desempenhar seu melhor futebol. Para isso ele precisa se cercar de profissionais competentes, nas diferentes áreas das ciências do esporte. Vejo como função primordial a delegação de funções, sem tentar se responsabilizar por intervir em áreas que não são de sua formação (psicologia do esporte, por exemplo). A melhor maneira de ter uma preparação psicológica adequada é contar com um profissional capacitado nessa área, como o Mano já sinalizou que irá fazer. É importante frisar que a psicologia do esporte não é a resposta para todos os males e nem garantia de sucesso, é um fator, dentre tantos, que contribui para obtenção dos objetivos.

Você acredita que a mescla de jogadores mais experientes com os mais novos é uma boa alternativa para se evitar instabilidades emocionais no grupo?

Não necessariamente. Veja o caso do Zidane na Copa de 2006. Na ocasião, ele era um dos mais experientes da França e nem por isso comportou-se de forma equilibrada. A estabilidade emocional não envolve apenas a idade, existem outros fatores que precisam ser considerados. Por exemplo, o clima que o treinador cultiva dentro da equipe, as características pessoais do atleta e a interferência da torcida, dentre outros. Portanto, o fato de ser mais experiente não é um garantia de equilíbrio emocional, o fato relevante é conhecer as características dos atletas que estão nos planos da comissão. Por isso, o trabalho do psicólogo do esporte que integrar a seleção é criar um banco de dados com avaliações psicológicas dos atletas que passarem pela equipe, no intuito de dar suporte às decisões do treinador.
Clique aqui para acesso à reportagem original.

 

blogger templates | Make Money Online